O CONCEITO DE EFICIÊNCIA COMO CONDUÇÃO NOS MODELOS BUROCRÁTICO E GERENCIAL DE ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA: UMA ANÁLISE DAS REFORMAS ADMINISTRATIVAS DESDE 1930

Vanessa Paes de Vasconcelos Vanderperre | 11/Jul/2018

Sumário: 1. Introdução; 2. Os modelos organizacionais da administração pública; 2.1. O modelo patrimonialista e as conquistas libertárias; 2.2. O modelo burocrático; 2.3. As necessidades da contemporaneidade e o modelo gerencial; 3. O modelo gerencial e sua relação com o princípio da eficiência; 3.1. Histórico das reformas administrativas; 3.2. O estágio atual – a Emenda Constitucional 19/98; 3.3. O conceito de eficiência na ciência da administração e da economia e sua transposição para o direito administrativo; 3.4. A eficiência na administração pública brasileira; 4. Conclusão; 5. Referências.

 

1            INTRODUÇÃO

O foco do presente ensaio se encontra na exposição crítica acerca das tentativas de implantação, nas reformas administrativas brasileiras, da ideia de eficiência na Administração Pública, que passou a ter status de princípio constitucional administrativo explícito com a Emenda Constitucional 19/98, embora diversos autores sustentem que o citado princípio se encontrava subentendido dentro do próprio sistema constitucional brasileiro.

Visa demonstrar este ensaio que os modelos de administração pública, com exceção do modelo patrimonialista, caracterizado pelo seu pessoalismo e gestão da coisa pública como privada, sempre tinham o conceito de eficiência como arrimo. Entretanto, o conceito de eficiência se transmudou conforme o contexto histórico-social também se foi modificando e, agora, constitui-se como princípio de direito administrativo positivado.

Primeiramente, para fins de esclarecimento, procurou-se elaborar uma delimitação entre os conceitos de reforma de Estado e reforma do aparelho estatal, a fim de situar neste último o enfoque desta análise. Logo após, tem-se a relação dos de três tipos de modelos organizacionais na Administração Pública conhecidos na doutrina administrativista.

Assim, passou-se a discorrer sobre o conceito de eficiência, nascido na ciência da Administração e como passou este à principiologia do Direito Administrativo. Além disso, demonstra a forte influência do referido princípio, agora modificado pelas características próprias do contexto constitucional, no modelo gerencial de Administração Pública, sendo este a recente tentativa de implantação no Brasil.

Em continuação, o presente artigo trata historicamente de quatro das reformas administrativas tidas no Brasil desde 1930, em virtude da delimitação própria do objeto deste estudo caracterizado metodologicamente como artigo científico. Foi dada importância à especificidade das transformações da Administração Pública brasileira em relação às demais nações, a fim de caracterizar as idas e voltas que os políticos brasileiros têm em relação aos modelos burocrático e gerencial na história recente do Brasil. Dessa forma, abrangeu-se a instituição do DASP, a Reforma de 1967, a Constituição de 1988 e, por fim, a EC 19/98.

2            OS MODELOS ORGANIZACIONAIS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

As reformas estatais diferem precipuamente das reformas do aparelho estatal. As primeiras são caracterizadas por alterações de estruturas democráticas, econômicas, sociais, políticas etc., enquanto as últimas são reformas da própria administração, são reformas administrativas. Estas foram numericamente superiores àquelas, sendo atreladas às mudanças dos representantes do povo, dos governantes, que apresentam à cada mandato, propostas de planos de governo, geralmente alinhadas às promessas da candidatura. Em adição à isso, as reformas estatais além de promoverem mudanças profundas, provocam também a mudança do aparelho estatal[2].

Apesar de não haver consolidação da doutrina, no Brasil, houve três grandes momentos de reformas estatais, ou seja, rupturas grandes que implicaram em mudanças da cultura econômica, social,e política do país, ou seja, mudanças paradigmáticas.

No que tange ao objeto de estudo do presente trabalho, temos como grande modificação de paradigma na história recente a instauração da Nova República, em 1930. Visto que naquele contexto histórico o país na década de 30 ainda era um país de ampla economia agrária, surgiu Getúlio Vargas à frente de um plano de governo que ele chamaria de mudança para um estado desenvolvimentista.

Focado na industrialização, procurando primeiramente desenvolver as indústrias de base, queria Vargas promover a troca de produtos importados para produtos nacionais. A industrialização crescente do país causou uma série de consequências socioeconômicas, sendo as mais marcantes dessa reforma de Estado o êxodo rural e o inchaço das cidades brasileiras[3].

Já em 1964, o fato histórico que mudou o destino nacional e que ainda reverbera com seus fantasmas até hoje, é a emersão do Golpe Militar, passando de um regime democrático para o regime do autoritarismo militar. Período de intensa repressão política, o período militar, economicamente, caracterizou-se pelo combate à inflação, através de restrições de crédito, favorecimento do capital estrangeiro e a perda de estabilidade no emprego, tornando o governo bastante impopular[4].

Entretanto, em 1971, foi aprovado o I Plano Nacional de Desenvolvimento, que abarcava uma série de aplicação de capitais nas áreas siderúrgica, petroquímica, de transporte, energética, além de estabelecer o Programa de Integração Nacional, gerando-se o que se chama na história do Brasil de “milagre brasileiro”. Após esse êxtase de melhora econômica, entretanto, sucedeu-se um período de grave crise econômica no qual foram instituídos mais dois PNDs que não obtiveram êxito[5].

Em 1990, há a abertura gradual da economia do Brasil, incluindo-o no mercado mundial, estando o país sujeito ao fenômeno da globalização, onde o consumidor passa a ter o poder de escolher os seus produtos. O código do consumidor veio como diploma legal decorrente de um mercado mais aberto, competitivo e exigente. As indústrias que não estavam preparadas para a globalização tiveram que fechar, enquanto as demais passaram a competir com o mercado mundial[6].

2.1         O Modelo Patrimonialista e as Conquistas Libertárias

A estratégia adotada por Portugal para que assim se pudesse colonizar o Brasil depois do Tratado de Tordesilhas foi a divisão do território do país em capitanias hereditárias que foram concedidas a portugueses abastados que tinham condições de gerenciar as terras brasileiras. Passou-
-se assim a estabelecer no Brasil a prática patrimonialista herdada dos portugueses, herdou-se a cultura da apropriação do espaço público como coisa privada.

O modelo patrimonialista de Administração Pública é tido apenas como uma extensão do poder do soberano, vez que este era o real proprietário da coisa pública e a ele cabia todos os comandos e poderes resultantes de tal propriedade. Era o regulador-maior, onde os seus auxiliares, os servidores públicos à época, eram vistos como suas extensões e, portanto, detentores também de seu poder e de seu status de realeza.

Tais auxiliares do soberano eram de sua escolha exclusivamente e não havia considerações de mérito para a assunção do cargo, são frutos da fidelidade pessoal para com o soberano, caracterizando o personalismo das práticas patrimonialistas. Também era comum o não estabelecimento de uma organização específica e previamente fixa para os cargos públicos. Estes eram vistos como privilégios, sendo e eram apropriados por seu ocupante.

A corrupção e o nepotismo são traços inafastáveis desse tipo de prática, uma vez que não há a separação entre a coisa pública e a coisa privada, o apossamento do dinheiro e propriedade públicos são uma constante e os cargos são divididos somente entre pessoas que possuem status e relações com os servidores públicos, seja de ordem política ou familiar.

Com o decorrer do tempo, entretanto, na segunda metade do século XVIII, na Europa passou a emergir a concepção do Estado com influências iluministas, transformando os próprios alicerces do ordenamento do Antigo Regime [7]. Com a Revolução Francesa, expropriou-se o soberano do Estado e passou a se consolidar a soberania popular, através da lei como resultado da vontade geral da sociedade. É como relata Supiot: “poder temporal foi colocado entre nós sob a égide da soberania do Rei que nunca morre, depois do Povo que se regenera sem cessar, e esse soberano intemporal acabou excluindo a onipotência divina da regulamentação dos negócios humanos[8].

Passou-se da crença dos direitos provenientes do divino, para a crença na infalibilidade do jusnaturalismo e na racionalidade do pensamento humano. E assim passamos à concepção de que um Estado cujo aparelho administrativo, se regulado e atuando fielmente pelo princípio da legalidade, estaríamos em uma zona perpétua de estabilidade e presteza.

2.2         O Modelo Burocrático

Consolidado o Estado Liberal Democrático, surge o modelo de Administração Burocrática burocrática, como forma de combater as práticas viciosas da Administração Pública patrimonialista. A teoria da burocracia foi pensada pela desconfiança essencial nas pessoas e por essa razão teoria impõe uma série de controles rígidos à atuação dos trabalhadores. Visava elaborar uma Administração profissional com assunção de cargos com critérios técnicos e meritocráticos[9].

Os princípios de hierarquia de cargos e de diversos níveis de autoridade implicam um sistema de sobre e subordinação ferreamente organizado, onde os funcionários superiores controlam os funcionários inferiores. Administrar um cargo, e administrá-lo de forma especializada, implica, geralmente, uma preparação cabal e experta. Isto se exige cada vez mais do executivo moderno e do empregado das empresas privadas, bem como exige-se do funcionário público[10].

A Administração Pública agora somente pode ser exercida mediante autorização legal, onde o princípio da legalidade impera, criando limites à atuação do Estado. Há a construção de um sistema hierárquico, por regras abstratas e com delimitação descritiva dos cargos, possuindo estes atribuições, competências, responsabilidades, deveres e direitos especificados. Todos os servidores devem possuir treinamento e praticar seus atos de forma impessoal, procedimentalizada.

Construído no contexto do Estado Mínimo, o modelo burocrático era adequado às necessidades da sociedade e do Estado à época, visto que a este cabia somente as questões de segurança e justiça. Estabelecia grande domínio das atribuições do cargo por seu ocupante em virtude de seu profissionalismo e treinamento, havia, assim, motivações de cunho de eficiência organizacional circunscritas a esse modelo. Entretanto, tal tipo de preocupação gerava um excessivo número de prescrições de tarefas formais[11].

 

2.3         As Necessidades da Contemporaneidade e o Modelo Gerencial

Apesar de ter sido popular no começo do século XX, já após a Segunda Guerra Mundial se iniciam as críticas à Administração Burocrática burocrática: a resistência a mudanças, a obediência acrítica às normas, equalização de todos os funcionários, ainda que estes possuam rendimento muito superior que outros colegas, além de tarefas restritivas de liberdade por parte dos trabalhadores[12].

A partir da Primeira Guerra Mundial e após a Grande Depressão, aumentou-se a necessidade de intervencionismo estatal em virtude das crises estabelecidas na época. Com a Segunda Guerra Mundial houve uma ampliação ainda consistente do modelo intervencionista estatal, que tinha como intuito a solução das demandas provenientes de todos os setores sociais aumentando significativamente o leque de direitos fundamentais enunciados no âmbito constitucional[13].

Foi nos anos 1970, especialmente durante a crise do petróleo em 1973, que se viu que o modelo de Estado ativo naquele contexto histórico, já não estava mais correspondendo às mudanças sociais, políticas e econômicas. Era um Estado interventor na economia, como considerado nos moldes de Keynes, Estado do Bem-Estar Social, que tinha como escopo o desenvolvimento de uma série de políticas públicas destinadas às necessidades sociais; como também era um Estado de modelo weberiano, como visto supra, que visava a impessoalidade, a procedimentalização, meritocracia e hierarquização[14].

Tal fenômeno incorreu em um agigantamento do aparelho estatal e que se encontrava atabalhoado com o seu próprio crescimento e, que dentro do modelo burocrático de Administração Pública, já não era mais capaz de prover aos seus cidadãos os serviços públicos como outrora.

O modelo gerencial veio como resposta a tal aumento do aparelho do Estado, popularizado dentro da política econômica neoliberal de Thatcher e Reagan, mas não podendo ser conhecido somente dentro desse contexto. Toda a discussão acerca desse novo modelo já vinha sendo debatida de forma globalizada, a exemplo da Europa (ocidental e oriental) e do Terceiro Mundo.

O managerialism por meio da implementação de métodos avaliativos de desempenho, controle orçamentário a partir de novos modelos e oferecimento de serviços públicos direcionados mais a uma “economia de consumo”, prestando mais atenção à opinião de seus destinatários finais, passa então a ser tido como padrão fundamental em todo o mundo, aplicando-se, entretanto, às idiossincrasias locais[15].

A administração pública gerencial se torna agora o modelo pensado para as necessidades intrínsecas a nossa era informatizada, de alta conectividade e fluidez nas relações sociais. O tempo perde o seu paradigma e a sociedade se tornou “escrava” da presteza com que retornamos com as informações estritamente necessárias.

3            O MODELO GERENCIAL E SUA RELAÇÃO COM O PRINCÍPIO DA EFICIÊNCIA

O modelo gerencial da Administração Pública passa então a ser orientado pelo atendimento ao cidadão e na obtenção de resultados coadunados com o que está disposto nas orientações gerais da Administração Pública que, no nosso caso, encontra-se estritamente estabelecido na Carta Magna.

Ao contrário do modelo burocrático, o modelo gerencial dispõe de maior flexibilidade quando concerne à confiança nos governantes e servidores públicos, tendo estes maior liberdade na sua atuação. Esta característica de relativa confiança procura estimular a inovação e a criatividade do elemento pessoal do aparelho administrativo. Assim, serve-se também de maior descentralização como estratégia de atuação, a fim de prover o serviço público com maior eficiência aos seus cidadãos.

3.1         Histórico das Reformas Administrativas

No cenário da década de 1930, com a ascensão de Getúlio Vargas ao poder, o Brasil era o palco de uma centralização político-administrativa, com orientação nacionalista. Com a crise de 1929, tornou-se insustentável a posição do Brasil como país de caráter agropecuário exportador, passando o Estado agora a intervir diretamente na economia com o fim de promover o desenvolvimento industrial[16]. Como já relaciona Bresser: “O Estado brasileiro, no início do século XX, era um Estado oligárquico e patrimonial, no seio de uma economia agrícola mercantil e de uma sociedade de classes mal saída do escravismo[17].

No contexto dessa implantação de reforma do Estado getuliana, iniciou-se também a tentativa de ruptura das amarras do aparelho estatal herdado dos nossos colonizadores portugueses. O DASP foi a primeira tentativa de implantar no Brasil uma Administração Pública Burocrática, com o fim de eliminar a prática patrimonialista que era caracterizada pelo seu nepotismo, sua característica antidemocrática e corrupta.

Assim, a Lei 284/36 instituiu o Conselho Federal de Serviço Público que pelo Decreto Lei 579/38 se tornou o Departamento de Administração de Serviço Público Federal – DASP, por força da Constituição Autoritária de 1937, que previa a instituição de um órgão de status estratégico a fim de dar suporte ao Presidente da República[18].

A organização adotada pelo DASP fora fundada com base no modelo weberiano de burocracia, assim como nos princípios da administração científica ancorada por Taylor e Fayol (escola clássica de administração), tais como: o princípio de planejamento, do preparo (seleção de trabalhadores de acordo com a sua aptidão), do controle (fiscalização da qualidade do trabalho) e da execução (distribuição do trabalho em partes distintas a fim de melhorar a sua execução).

A metodologia de Taylor consiste em um estudo do tempo, na supervisão funcional, na padronização de ferramentas e instrumentos semelhantes a fim de economizar o tempo, na criação de fichas com as instruções do serviço, na ideia de tarefa já associada a prêmios de produção pela sua execução eficiente (meritocracia), no sistema de classificação dos produtos e do material, na utilização da manufatura e no delineamento da rotina de trabalho[19].

O ponto mais marcante dessa reforma foi a ênfase dada na reforma das atividades da administração geral mais que a reforma da atividade substantiva em si. Dessa maneira, o DASP foi pautado pela separação entre atividades-fim e atividades-meio, difundindo o modelo de departamentalização. Foi iniciado um amplo processo de criação de estatutos e normas para as áreas fundamentais da administração pública, principalmente em três áreas da implantação da administração burocrática no país: a administração de materiais, a administração de pessoal, a administração financeira[20].

Entre as principais realizações do DASP, estão a: ingresso no serviço público por concurso, critérios gerais e uniformes de classificação de cargos, organização dos serviços dos serviços de pessoal e de seu aperfeiçoamento sistemático, administração orçamentária, padronização das compras estatais, racionalização de métodos, criação de empresas públicas como a Caixa Econômica Federal, DNER, Banco Nacional do Desenvolvimento Social, além de estruturar as carreiras diplomáticas e do Banco do Brasil, uma vez que este era a autoridade monetária da época. Além disso, buscou uma profissionalização dos serviços com vistas a acabar com os vícios da administração patrimonialista[21].

Apesar de possuir como tentativa a coibição de práticas patrimonialistas e a disponibilização de serviços corretos em procedimento e teoricamente eficientes, na prática, todavia, seu intuito não teve êxito, em virtude da concentração de competência do órgão. Foi assim que, com o advento de cada vez mais funções e poder, o DASP hipertrofiou-se dentro do contexto estatal, uma vez que de órgão central passou a agência central do governo com poderes legislativos, que de fato, abrigaria toda a infraestrutura decisória do regime do Estado Novo[22].

Tal desdobramento resultou em um processo caótico, segundo Warlich, pois não havia mais potencialidade para trabalho, em virtude de haver se constituído o DASP em um sistema fechado e sem oxigenação para a sua potencial modificação[23].

Com a saída de Getúlio do poder, o DASP perde grande parte de seu poder e é extinto pelo governo militar por meio do Decreto 93.211/86, em virtude do processo de desburocratização iniciado. De acordo com o plano de desenvolvimento nacional do período da ditadura juntamente com as bases lançadas pelo plano desenvolvimentista de Juscelino Kubistchek, surgiu a necessidade de descentralização dos serviços para adimplir os objetivos com maior eficiência[24].

Assim, surgiu o Decreto Lei 200/67 que propôs como princípios da reforma administrativa federal: a descentralização, planejamento, coordenação, delegação de competência e controle. Dessa forma, estatuiu-se a delimitação entre Administração Pública Direta e a Indireta, de forma a acelerar o desenvolvimento e evitar a hipertrofia de funções tal como aconteceu com o DASP. O foco do governo foi para as entidades da Administração Indireta, que agora possuíam maior autonomia, com personalidades jurídicas próprias[25].

O governo militar, com o andar histórico, passou a perder o controle das instituições do Estado em virtude do agigantamento da Administração Indireta na época. Para remediar tal situação, os militares vieram com a proposição do Programa Nacional de Desburocratização, imaginado pelo ministro Hélio Beltrão. Segundo o que consta, o Programa, que perdurou de 1979 a 1982, também tinha a intenção de aproximar a sociedade do Estado, vez que a burocracia constituía um obstáculo para tanto. Ao fim, foi uma grande estratégia de marketing a fim de conquistar a opinião pública, perante um sistema desorganizado na Administração Direta[26].

Dessa forma, o Programa possuía uma série de soluções para tais problemas, como a tentativa de simplificar os processos administrativos, facilitando assim a produção de documentos e atos, através da eliminação de informações desnecessárias e do incentivo para a criação de empresas privadas nacionais e desestatização de empresas menores, com o fim de não estancar o desenvolvimento econômico, mas também de evitar a criação de mais instituições de Administração Indireta, por exemplo[27].

No período que se dá entre o momento de redemocratização do país, em 1985 a 1988, em função da anomalia política que se encontrava o Brasil, os políticos travaram uma época de práticas patrimonialistas. Assim, o contexto desse período invocou na Assembleia Constituinte, um espírito de necessidade de remediação das práticas viciosas que estavam ocorrendo. Dessa maneira, a Constituição de 1988, a Constituição democrática se constituiu com um espírito burocrático em virtude do referido contexto.

Dessa maneira, com o advento da Constituição, também surgiu um novo período de administração burocrática. Por começar, a Constituição estipulou que a Administração Indireta também seguiria o mesmo regime da Administração Direta, engessando por completo o aparelho estatal. Também retirou autonomia do Poder Executivo para a organização da Administração Pública, além de dificultar a criação, transformação e extinção de cargos, como também instituiu o regime único de servidores públicos, estabilizando milhares de celetistas.

Em acréscimo, uma das principais características da Constituição de 1988 é o seu caráter social. Este caráter social elevou uma série de direitos sociais ao estatuto constitucional, de caráter intangível e cogente, ou seja, a partir de 1988, o espaço que o Estado tinha que se fazer presente e, juntamente com a burocracia, aumentou consideravelmente o custeio da máquina administrativa.

Dessa forma, a Constituição-Cidadã, apesar de ser um modelo avançado no sentido social, no sentido administrativo, constituiu um retrocesso à época, vez que aplicou um modelo de administração extremamente engessador, o burocrático, numa época em que o país já se encontrava em pleno processo globalizante[28].

3.2         O Estágio Atual – A Emenda Constitucional 19/98

Como já dito, o excesso de normatização constitucional, de sua postura centralizadora e rigidez procedimental, só veio a causar entraves ao administrador público da época, vez que, contextualizado em um ambiente globalizado, além de ter tido o plano Real implantado, é instituído o Ministério de Administração e Reforma do Estado no governo de Fernando Henrique Cardozo que conduziu uma reforma do aparelho estatal com vistas a flexibilização do texto constitucional, por meio da votação do Projeto de Emenda à Constituição 173/95.

O presente projeto foi aprovado e constituiu a EC 19/98. O objetivo da Emenda à Constituição foi o de transformar o país, novamente, em um estado gerencial. Temos assim o Governo pretendendo conferir uma série de direitos ao cidadão acerca do controle e prestação do serviço público sejam eles prestados pela Administração ou por seus delegados. Temos assim a Ementa da EC 19/98: “Modifica o regime e dispõe sobre princípios e normas da Administração Pública, servidores e agentes políticos, controle de despesas e finanças públicas e custeio de atividades a cargo do Distrito Federal, e dá outras providências”.

Procura-se, aqui a redução dos desperdícios do dinheiro público, uma vez que tais recursos devem estar canalizados à presteza, perfeição e rendimento funcional, fortalecendo também os institutos de controle orçamentário e de transparência para a sociedade[29]. Entretanto, para que tal modelo de administração gerencial se desenvolva no Brasil é preciso que se continuem regulamentando os institutos idealizados pelos constituintes reformadores, vez que ainda nos encontramos em uma cultura jurídica extremamente dependente em relação à lei e à Constituição para que se possa ter eficiência na Administração Pública.

3.3         O Conceito de Eficiência na Ciência da Administração e da Economia e sua Transposição para o Direito Administrativo

É importante destacar que o conceito de eficiência não é originário da doutrina do direito administrativo. Dessa forma, para que este possa se utilizar dos conceitos provenientes de outra ciência é necessário que se adapte, uma vez que a eficiência em geral é tratada no âmbito da Administração privada[30].

Assim, não é possível dizer que o direito administrativo transplantou exatamente o conceito de eficiência já bem desenvolvido na ciência da Administração, vez que este atende aos critérios do setor privado e não do público quando se fala de mensuração objetiva. Entretanto, quando se menciona o conceito de eficiência no sentido amplo, temos assim a possível concepção adotada pelo legislador brasileiro ao introduzir este princípio no ordenamento, como assim pensa Onofre Batista Júnior[31].

3.4         A Eficiência na Administração Pública brasileira

A Carta Magna, emendada pela EC 19/98, estabeleceu alguns institutos tendentes a promover o cumprimento do princípio da eficiência, como o da participação do usuário na Administração Pública e a possibilidade de ampliar a autonomia orçamentária, gerencial e financeira de órgãos e entidades da Administração direta e indireta.

José Afonso da Silva, em seu Curso de Direito Constitucional, ao relacionar os princípios constitucionais regentes da Administração Pública, entende também serem princípios, o princípio da participação e o princípio da autonomia gerencial[32]. Em relação ao primeiro, temos sua referência no § 3º do art. 37, que determina a edição de lei para disciplinar as formas de participação do usuário na administração pública direta e indireta, regulando especialmente I – as reclamações relativas à prestação dos serviços públicos em geral, asseguradas a manutenção de serviços de atendimento ao usuário e a avaliação periódica, externa e interna, da qualidade dos serviços”.

Dessa forma, em relação ao princípio da autonomia gerencial, José Afonso da Silva diz que o § 8º, do art. 37[33], introduzido pela reforma administrativa de 1998, criou um tipo de contrato administrativo inusitado, vez que, agora, apenas os administradores que gerenciam os órgãos públicos ou paraestatais, teriam competência para celebrar contratos com o Poder Público centralizado, já que esses teriam personalidade jurídica própria. Entretanto, caberia à lei determinar um tipo de competência especial para os demais administrados poderem celebrar esse tipo de contrato, que, segundo o autor, não poderia passar de um acordo programático[34].

4            CONCLUSÃO

Ao final deste ensaio é possível afirmar, sem receio, que o tema tratado, reformas administrativas, é eixo de constantes debates seja aqui no Brasil ou internacionalmente, mas também é alvo de perene preocupação por parte do Estado. Seu funcionamento não é um dado biológico e, que apesar de certas contestações por parte da moderna tecnologia médica, por isso imutável. A construção do Estado é fruto de uma série de diálogos, embates, até mesmo de guerras e, mais importante, fruto da evolução social na longa linha do tempo.

O conceito eficiência, como aqui tratado, toma-se como fruto racional de uma época que nos permite pouco tempo e pouca margem para erros e desperdícios. Entretanto, as reformas administrativas, até mesmo pelo seu vocábulo “reforma”, contêm um conteúdo de sentido positivo quando falamos evolutivamente. Para reformar, ainda que se deseje, por vezes, não é possível edificar uma muralha com o passado.

É por isso que até hoje ainda se verifica no Brasil tantas práticas patrimonialistas, resquícios e herança de um passado de colonização. Outra cultura resistente é a cultura do modelo burocrático, que a tantas pessoas possibilitou a aquisição de estabilidade no trabalho público, considerado um trabalho fácil e mecânico, de mínimo esforço. Ainda outro traço do patrimonialismo cultural no Brasil que se mistura à impessoalidade da burocracia imaginada por Weber.

Passar a pensar que, em função da popularidade de um modelo, este definitivamente entrou em voga e a partir de então irá se estabelecer sem distorções, é ingenuidade. Somos frutos decorrentes de nosso passado, mas também frutos do nosso futuro. A reforma é possível sim, a melhora é possível sim, mas com o olhar do pesquisador, atento e preso à realidade.

5            REFERÊNCIAS

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VIANA, Arízio de. O que é o D.A.S.P. Revista de Direito Administrativo, v. 35, 1954.

 

 

 

[1]     Mestranda em Direito Público pela Faculdade de Direito de Alagoas, FDA/UFAL. Advogada. E-mail: vanessapaesvasconcelos@gmail.com

[2]       NOGUEIRA, Marco Aurélio. Reforma Administrativa ou Reforma do Estado? São Paulo: Perspectivas, 1989-1990. p. 15.

[3]       COTRIM, Gilberto. História e Consciência do Brasil. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1995. p. 281.

[4]       NOGUEIRA, Marco Aurélio. Op. cit., p. 11.

[5]       A respeito deste momento histórico, aduz Bresser Pereira: “Os militares, que assumiram o poder em 1964, constituem um grupo tecnoburocrático por excelência. Originam-se de uma organização burocrática moderna como são as Forças Armadas. Possuem preparo técnico, administram recursos humanos e materiais consideráveis. [...] em pouco tempo o grupo tecnocrático verificou que possuía força e suficiente capacidade técnica e organizacional para se manter no poder em seu próprio nome. Verificou que poderia liderar uma política desenvolvimentista, em estreita aliança com o capitalismo nacional e internacional. Estavam assim as bases do modelo de desenvolvimento tecnoburocrático capitalista para o Brasil”. (PEREIRA, Luís Carlos Bresser. In: COTRIM. Op. cit., p. 325)

[6]       NOGUEIRA, Marco Aurélio. Op. cit., p. 4.

[7]       SCHIOPPA, Antonio Padoa. História do Direito na Europa: da Idade Média à Idade Contemporânea. Tradução de Marcos Marcionilo e Silvana Cobucci Leite. São Paulo: Martins Fontes, 2014. p. 279.

[8]       SUPIOT, Alan. Homo juridicus: ensaio sobre a função antropológica do Direito. Tradução de Maria Ermantina de Almeida Prado Galvão. São Paulo: Martins Fontes, 2007. p. 182.

[9]       SECCHI, Leonardo. Modelos organizacionais e reformas da administração pública. Revista de Direito Administrativo FGV. Rio de Janeiro, p. 347-369, mar./abr. 2009. p. 352.

[10]     Idem, p. 353.

[11]     Idem, p. 352.

[12]     SECCHI, Op. cit., p. 353.

[13]     SHIOPPA. Op. cit., p. 448. Segundo Secchi temos: “Os elementos apontados como ativadores dessas ondas de “modernização” são a crise fiscal do Estado [...], a crescente competição territorial pelos investimentos privados e mão de obra qualificada [...], a disponibilidade de novos conhecimentos organizacionais e tecnologia, a ascensão de valores pluralistas e neoliberais [...], e a crescente complexidade, dinâmica e diversidade das nossas sociedades [...]. No velho continente, o processo de europeanização também tem desempenhado um papel crucial no estímulo à adoção de novos modelos organizacionais e à revisão das PGPs nos níveis nacionais, regionais e municipais [...]”. (SECCHI, Op. cit., p. 353)

[14]     ABRUCIO, Fernando Luiz. O impacto do modelo gerencial na Administração Pública: Um breve estudo sobre a experiência internacional recente. Cadernos ENAP, n. 10. p. 6.

[15]     ABRUCIO, Fernando Luiz. Op. cit. p. 7.

[16]     COTRIM, Gilberto. Op. cit., p. 267.

[17]     PEREIRA, Luiz Carlos Bresser. Administração Pública Gerencial: estratégia e estrutura para um novo Estado. Brasília: MARE/ENAP, 1996. p. 15.

  1.     WARLICH, Beatriz M. de Souza. Reforma administrativa federal brasileira: passado e presente. Revista da Administração Pública. Rio de Janeiro, p. 27-75, abr./jun. 1974. p. 29.

[19]     CARVALHO, Ricardo Vinicius Cornélio de. Quatro acepções do clássico nas teorias clássicas da Administração. VII Convibra Administração. Congresso Virtual Brasileiro de Administração. Disponível em: . Acesso em: 07 ago. 2015. p. 4.

  1.     WARLICH, Beatriz M. de Souza, Op. cit., p. 30. Complementa Warlich: “A reforma administrativa de pessoal foi a contribuição mais significativa da época. Suas características específicas podem ser assim resumidas: Igualdade de oportunidade para ingresso no Serviço Público (sistema do mérito); ênfase nos aspectos éticos e jurídicos das questões de pessoal (coibição de privilégios, e impessoalidade); planos gerais e uniformes de classificação de cargos e fixação de salários (padronização classificatória e salarial); autoritarismo acentuado (com progressiva rigidez e centralização do controle); ausência de percepção das disfuncionalidades verificadas em conseqüência das características anteriormente mencionadas; globalismo na concepção da reforma, bem como na sua execução”.

[21]     VIANA, Arízio de. O que é o D.A.S.P. Revista de Direito Administrativo. v. 35,
p. 484, 1954.

[22]     WARLICH, Beatriz M. de Souza, Op. cit., p. 29.

[23]     Idem, p. 29.

[24]     DIAS, José de Nazaré Teixeira. Op. cit., p. 50.

[25]     Neste contexto, assevera-se que “As reformas operadas pelo Decreto-Lei 200/67 não desencadearam mudanças no âmbito da administração burocrática central, permitindo-o a coexistência de núcleos de eficiência e competência na administração indireta e formas arcaicas e ineficientes no plano da administração direta ou central. O núcleo burocrático foi, na verdade, enfraquecido indevidamente através de uma estratégia oportunista do regime militar, que não desenvolveu carreiras de administradores públicos, preferindo, ao invés contratar os escalões superiores da administração através das empresas estatais”. (PEREIRA, Luis Carlos Bresser. Op. cit., p. 6)

[26]     COTRIM, Gilberto. Op. cit., p. 320.

[27]     Dentro deste contexto, registre-se que: “Essa a linguagem que vem sendo falada desde abril de 1964, conferindo, portanto, à Reforma um lastro experimental sem dúvida ponderável tanto mais quando se há de reconhecer que favorece a desconcentração de funções afetas às autoridades de maior hierarquia, a delegação de atribuições e a descentralização que todos reputam essencial. Não será demais apontar, também, que permite superar as manifestas desvantagens e os ônus que se criaram em tôrno da aplicação entre nós dos conceitos de atividade-fim e de atividade-meio, de administração geral e de administração específica, e outros impropriamente elevados à categoria de última palavra na arte de administrar”. (DIAS, José de Nazaré Teixeira. A reforma administrativa de 1967. Cadernos de Administração Pública. Rio de Janeiro: Fundação Getulio Vargas, 1968. p. 54)

[28]     BOCAFOLI, Amarilis Inocente. Responsabilidade administrativa dos funcionários públicos por ineficiência. Dissertação de Mestrado. São Paulo: USP, 2010. p. 30.

[29]     CARVALHO FILHO. Op. cit., p. 27.

  1.     Neste sentido, alerta José Afonso da Silva: “A dificuldade está em transpor para a atividade administrativa uma noção típica da atividade econômica, que leva em conta a relação input/output (insumo/produto), o que, no mais das vezes não é possível aferir na prestação de serviço público, onde nem sempre há um output (produto) identificável, nem existe input no sentido econômico. Por outro lado, na economia a eficiência tem por objeto a alocação de recursos de modo a aumentar o bem estar de pelo menos um consumidor sem diminuir, simultaneamente, o de outros. Na Administração Pública as condições de eficiência são diferentes porque, em relação a bens públicos, vale o princípio de não exclusão, isto é, o consumo da parte de um agente econômico não exclui a possibilidade que outros consumam contemporaneamente o mesmo bem; enquanto no caso dos bens privados cada um consome diversas quantidades ao mesmo preço, no caso dos bens públicos (p. ex., a defesa nacional), todos consomem a mesma quantidade atribuindo-lhe valores diferentes”. (SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional. 30. ed. rev. atual. São Paulo: Malheiros, 2008. p. 671)

[31]     BATISTA JÚNIOR, Onofre Alves. In: BOCAFOLI. Op. cit., p. 40.

[32]     SILVA, José Afonso da. Op. cit., p. 672.

[33]     “Art. 37. [...] § 8º A autonomia gerencial, orçamentária e financeira dos órgãos e entidades da administração direta e indireta poderá ser ampliada mediante contrato, a ser firmado entre seus administradores e o poder público, que tenha por objeto a fixação de metas de desempenho para o órgão ou entidade, cabendo à lei dispor sobre: I – o prazo de duração do contrato; dos dirigentes; III – a remuneração do pessoal”. (CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988)

[34]     SILVA, José Afonso. Op. cit., p. 676.

Sobre o Autor

Vanessa Paes de Vasconcelos Vanderperre

Mestre em Direito Público/UFAL. Pós-graduanda em Direito das Famílias e Sucessões. Associada do Instituto Brasileiro de Direito das Famílias - IBDFAM. Ex-subprocuradora do município da Barra de São Miguel/AL. Advogada atuante na seara de Famílias e Sucessões e na seara trabalhista.